Nos dias 29 e 30 de maio, em São José dos Campos (SP), representantes da Agência Espacial Brasileira (AEB), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), além das empresas envolvidas no projeto ML-BR, reuniram-se para avaliar a maturidade do projeto e sua prontidão para avançar à próxima fase do ciclo de desenvolvimento, eles realizaram a chamada Critical Design Review (CDR), ou Revisão Crítica de Projeto, em português.
A CDR é uma revisão técnica criteriosa utilizada em programas espaciais de alta complexidade para validar se todos os aspectos de engenharia estão prontos para seguir à construção. Esse processo avalia a segurança, viabilidade e aderência do projeto aos requisitos da missão, com base em padrões internacionais.
Durante a reunião, foram analisados a situação da qualificação de processos críticos, a compatibilidade com interfaces externas, o planejamento das atividades de montagem, integração e testes (AIT), além de aspectos relacionados à segurança, à garantia do produto, à mitigação de riscos e aos destroços espaciais (debris).
O arranjo empresarial responsável pelo desenvolvimento do MLBR é liderado pela CENIC e conta com a participação das empresas Concert, PlasmaHub, Delsys, ETsys, Bizu Space, Fibraforte e Almeida’s. Cada empresa é responsável por diferentes subsistemas do foguete, como sistemas de controle, navegação inercial, eletrônica de controle, redes elétricas de telemetria e suprimento de energia.
O MLBR é um foguete de três estágios, com motores sólidos desenvolvidos pela CENIC. Possui 12 metros de altura, 1 metro de diâmetro e massa de decolagem de 9,9 toneladas. Sua capacidade de carga útil é de até 30 kg em órbita baixa.
A conclusão bem-sucedida da CDR demonstra o comprometimento das instituições e empresas envolvidas com o desenvolvimento de uma capacidade autônoma de acesso ao espaço no Brasil. O projeto agora avança para a fase de fabricação e ensaios de qualificação dos equipamentos, montagem e testes dos subsistemas, bem como integração e testes do sistema completo.
Destaques
Durante a CDR, alguns subsistemas se destacaram por apresentarem um nível de maturidade superior ao esperado para esta fase. É o caso dos sistemas de telemetria – responsáveis pela transmissão de dados do veículo para a estação em solo – e do sistema de navegação inercial (SNI), cujos modelos de qualificação já foram construídos e testados com sucesso. Ambos já se encontram na configuração final que será utilizada no voo.
Entre os ensaios realizados, destacam-se os testes de qualificação por vibração do SNI-GNSS. As simulações, conduzidas em ambiente laboratorial, replicaram as intensas oscilações esperadas durante o lançamento, incluindo fases críticas como ignição, aceleração máxima e separação de estágios. Os perfis de vibração utilizados foram baseados em dados reais de missão, assegurando um teste robusto e representativo.
Outro marco técnico foi a validação da integração entre o SNI-GNSS e o Computador de Missão (CDM) – o “cérebro de bordo” do foguete. O CDM é responsável pelo monitoramento e controle em tempo real dos sistemas críticos durante o voo, processando dados dos sensores e tomando decisões autônomas para garantir a estabilidade, precisão e segurança da missão.
A realização da CDR consolida, portanto, um avanço significativo no desenvolvimento do MLBR, evidenciando a sinergia entre as empresas envolvidas e a maturidade crescente do projeto. Mais do que um marco técnico, o momento simboliza o fortalecimento da capacidade nacional de desenvolver soluções espaciais completas e de alta complexidade. “O MLBR representa o fortalecimento da indústria espacial nacional, impulsionando o setor de alta tecnologia e desenvolvendo novas competências no país”, destaca Ralph Corrêa.
Próximas etapas
A próxima grande etapa é a Systems Qualification Review (SQR), em que será avaliada a qualificação dos principais subsistemas do veículo, como propulsão, redes elétricas, estruturas e a rampa de lançamento.
No que se refere à propulsão, os testes principais serão os chamados “tiros em banco” – ensaios estáticos realizados com os motores fixados em uma bancada. Esses testes permitirão validar o empuxo gerado em comparação ao previsto em projeto, a resistência estrutural durante a queima e o comportamento térmico dos componentes expostos a altas temperaturas.
Já para a eletrônica embarcada, serão conduzidos testes ambientais que simularão as condições extremas do voo espacial, incluindo variações severas de temperatura, vibração e choque mecânico decorrente da separação de estágios. Entre os ensaios previstos, destacam-se os testes de Compatibilidade Eletromagnética (EMC), que avaliam a emissão e a resistência dos componentes a interferências eletromagnéticas, descargas eletrostáticas e surtos conduzidos pelos cabos do sistema.
Sobre as Fases de Desenvolvimento de um Veículo Lançador
Conforme pontuado pelo blog Brazilian Space, “O projeto de desenvolvimento de um veículo lançador segue um ciclo de vida estruturado em fases técnicas e gerenciais, garantindo que o projeto atenda aos requisitos de segurança, desempenho e custo.“
Veja abaixo quais são as fases de desenvolvimento de um veículo lançador:
- Fase Conceitual (Conceptual Design)
Objetivo: Definir a viabilidade técnica e econômica do veículo.
Subfases:
Definição de Missão: Estabelecer objetivos (ex.: carga útil, órbita-alvo, cronograma).
Estudos de Arquitetura: Comparar configurações (número de estágios, tipo de propelente, materiais).
Análise de Risco Inicial: Identificar desafios críticos (tecnológicos, logísticos, financeiros).
Revisão de Conceito (CoDR – Conceptual Design Review): Validação da abordagem escolhida com stakeholders.
Exemplo: No MLBR, essa fase definiu a necessidade de um microlançador de três estágios com propelente líquido e capacidade para 40 kg em LEO (órbita baixa).
- Fase Preliminar (Preliminary Design)
Objetivo: Refinar o design e validar tecnologias críticas.
Subfases:
- Projeto Preliminar de Subsistemas: Detalhar motores, estrutura, navegação, telemetria.
- Prototipagem Rápida: Testar componentes em subescala (ex.: câmara de combustão do N-90).
- Simulações Computacionais: Avaliar desempenho aerodinâmico e estrutural.
- Revisão Preliminar de Design (PDR – Preliminary Design Review): Garantir que o design atende aos requisitos antes da CDR.
Exemplo: A PDR do MLBR validou a substituição de aço por compósitos de fibra de carbono nos motores.
- Fase de Projeto Crítico (Critical Design)
Objetivo: Finalizar o projeto detalhado para fabricação.
Subfases:
- Engenharia de Detalhamento: Desenhos técnicos, especificações de tolerância e listas de materiais.
- Qualificação de Sistemas: Ensaios de componentes em condições reais (ex.: vibração, vácuo térmico).
- Integração Virtual: Modelos digitais para verificar compatibilidade entre subsistemas.
- Revisão de Projeto Crítico (CDR – Critical Design Review): Aprovação final do design antes da fabricação.
- Fase de Fabricação e Montagem (Essa é a próxima Fase do projeto após a CDR)
Objetivo: Construir os componentes físicos e integrá-los.
Subfases:
- Fabricação de Componentes: Produção de motores, tanques, eletrônica (ex.: motores N-90, N-09, N-04).
- Montagem de Subsistemas: Integração de estruturas, redes elétricas e sistemas de controle.
- Controle de Qualidade: Inspeções dimensionais e testes não destrutivos (ex.: ultrassom em soldas).
- Fase de Testes Integrados
Objetivo: Validar o veículo como um sistema completo.
Subfases:
- Testes de Componentes: Ensaios hidrostáticos, queima estática de motores.
- Testes Ambientais: Exposição a vibração, temperatura extrema e vácuo.
- Testes de Integração: Compatibilidade eletromagnética (EMC) e simulações de voo.
- Revisão de Qualificação de Sistemas (SQR – Systems Qualification Review): Certificação para avançar ao lançamento.
- Fase de Integração e Campanha de Lançamento
Objetivo: Preparar o veículo para o lançamento operacional
6.1. Veículo suborbital (qualificação parcial em N voos de componentes em ambiente relevante)
6.2. Veículo lançador (qualificação total em voo – 1 e 2)
Subfases:
- Integração no Local: Montagem final no CLA, conexão de sistemas terrestres.
- Simulação de Contagem Regressiva: Testes de comunicação e procedimentos de emergência.
- Revisão de Prontidão para Lançamento (LRR – Launch Readiness Review): Última aprovação antes do voo.
- Fase de Operação e Pós-Lançamento
Objetivo: Executar a missão e analisar resultados.
7.1) Veículo suborbital (qualificação parcial em N voos de componetes em ambiente relevante)
7.2. Veículo lançador (qualificação total em voo – 1 e 2)
Subfases:
- Lançamento e VoO: Monitoramento em tempo real de telemetria e trajetória.
- Análise de Dados Pós-Voo: Avaliação de desempenho (ex.: precisão orbital, integridade estrutural).
- Relatório de Missão: Documentação de lições aprendidas e falhas.
- Revisão de Encerramento (CR – Closeout Review): Formalização do fim do ciclo de desenvolvimento da versão operacional.
Perfil da Missão do MLBR – Microlançador Brasileiro

Lançamento em Alcântara
A missão tem início na base do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. O foguete é instalado em uma plataforma móvel que permite ajustes tanto no eixo horizontal (azimute) quanto na inclinação vertical (elevação), otimizando a direção e a precisão do lançamento desde a decolagem.
Primeira fase de propulsão
Logo após o acionamento, o motor do primeiro estágio impulsiona o veículo até atingir aproximadamente 40 quilômetros de altitude. Ao atingir essa marca, o estágio inicial é descartado e o segundo motor é ativado.
Segunda fase
O segundo estágio assume a propulsão, elevando o foguete a cerca de 150 quilômetros da superfície terrestre. Pouco antes de atingir esse ponto, a coifa — que protege o satélite durante a travessia da atmosfera — é liberada, já que o atrito atmosférico torna-se irrelevante nessa altura.
Voo inercial controlado
Sem propulsão ativa, a parte restante do veículo — composta agora pelo terceiro estágio e pela carga útil — continua ascendendo em voo balístico, com a trajetória sendo cuidadosamente controlada para manter a orientação correta.
Inserção em órbita
Ao alcançar cerca de 450 quilômetros acima do nível do mar, sobre o Atlântico, o terceiro estágio é acionado por cerca de 45 segundos. Esse impulso não serve para ganhar mais altitude, mas sim para acelerar horizontalmente o satélite até a velocidade orbital. Esse passo é vital: sem ele, o satélite não entra em órbita e acaba reentrando na atmosfera.


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