A FAB realmente desistiu do Programa Espacial Brasileiro?
Em reportagem recente do programa Brasil com Ciência, o Instituto de Aeronáutica e Espaço teria supostamente desistido de seu programa espacial e transferido a Tecnologia para a empresa privada MacJee.
Porém, caro leitor, tome cuidado com esse alarmismo do canal Brasil com Ciência, o Blog Brazilian Space desconstruiu o vídeo e mostrou com detalhes cada ponto de cada afirmação mostrando que elas podem levá-lo ao erro.
Veja abaixo:
(I) “A Aeronáutica está desistindo de seu próprio foguete, o VS-50, para contratar junto a iniciativa privada uma empresa que possa terminar o trabalho que vinha sendo feito com os serviços da Avibras.”
Essa interpretação, ao nosso ver, está incorreta. Com essa contratação, a Aeronáutica não está necessariamente “desistindo” do VS-50, mas sim, a princípio, transferindo a capacidade de produção para uma empresa que pode modernizar, otimizar e garantir o referido processo. A parceria com a Mac Jee não significa abandono do projeto, mas sim uma evolução estratégica que visa garantir a continuidade e o sucesso do desenvolvimento de tecnologias essenciais, como o motor S50, em novos contextos tecnológicos e produtivos. A decisão de contratar a Mac Jee reflete a necessidade de inovação e diversificação das capacidades nacionais, sem abrir mão dos compromissos estabelecidos, não só com a Avibrás, mas outros players do projeto.
Além disso, desistir do VS-50 seria desistir do VLM-1 (Veículo Lançador de Microssatélites), projeto governamental de um veículo nacional portador de satélites que consta do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) vigente (e da sua versão anterior), no qual temos acordo bilateral Brasil-Alemanha que envolve a Força Aérea Brasileira (FAB), via DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial) e IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), e a Agência Espacial Brasileira (AEB), do lado brasileiro e o DLR (Deutsches Zentrum für Luft- und Raumfahrt = Centro Aeroespacial Alemão) e seus labotatórios como o MORABA (Mobile Raketenbasis = Base móvel de foguetes), do lado alemão, e que, apesar dos atrasos, está legalmente vigente entre as partes.
(II) “A decisão visa acelerar os estudos de velocidade hipersônica que vêm sendo conduzidos pelo IEAv (Instituto de Estudos Avançados), mas deverá se estender para todos os demais projetos, incluindo o VLM (Veículo Lançador de Microssatélite).”
Embora o foco no desenvolvimento de tecnologias hipersônicas seja um objetivo crucial, a afirmação de que essa decisão se estenderá automaticamente para todos os demais projetos, incluindo o VLM, é exagerada. Como explicado acima, o VLM continua sendo uma peça central na estratégia espacial brasileira, com seu desenvolvimento diretamente vinculado ao uso do S50. A escolha da Mac Jee para a produção do motor não compromete os projetos existentes, mas sim fortalece a capacidade nacional de atender a múltiplas demandas tecnológicas.
Inclusive, o Brazilian Space já fez uma análise independente sobre o projeto RATO, e sobre os limites legais de atuação do projeto (veja o vídeo abaixo), considerando inclusive pelo fato do projeto do VLM sem para fins pacíficos e, por esse motivo, e pelas restrições que a Alemnha tem, desde o final da 2a Gurra Mundial, de produzir misseis balísticos / de cruzeiro (ou equivalentes), a simples transferência do projeto do S50 para um projeto exclusivo da FAB e com um carater forte de defesa, inviabiliza a transferência da tecnologia de controle desenvolvida pelos alemães para o RATO.
Como bem destacado pelo entrevistando Danilo Miranda (Diretor da Mac Jee), a Mac Jee não entrará em contato com o DLR e quem vai dialogar com o DLR será a Força Aérea, que possui um acordo com eles.
Essa afirmação deixa claro que a suposta desistência do S50 e a transferência para a Mac Jee, não é algo simples e automático como o vídeo do SindCT sugere.
(III) “A decisão também tem impacto sobre uma das mais antigas e tradicionais estruturas da Força: sucateada, a Usina Coronel Abner, deverá ser substituída pelos serviços da empresa Mac Jee.”
A Usina Coronel Abner (UCA), embora tenha uma história longa e respeitada, realmente precisa de modernização para atender aos padrões atuais da indústria aeroespacial. Tanto a UCA como o próprio IAE vem sendo “sucateados” nos últimos anos e isso é fato. No entanto, sugerir que a UCA será substituída e totalmente desativada é algo que não faz sentido, pois os ativos que ali estão (laboratórios, parque de máquinas e infraestrutura) poderiam e podem ser utilizados em parceria com a indústria nacional, assim como bem destacou Raph Correa (Diretor da empresa CENIC) quando da sua participação na live especial no Brazilian Space de 06 de agosto último (veja aqui).
Na verdade, embora a Mac Jee tenha como objetivo trazer a atualização e o reforço da capacidade produtiva no segmento, a manutenção e relevância das infraestruturas tradicionais continuam essenciais. Como bem enfatizou Raph Correa, adaptar essas infraestruturas às novas exigências de mercado, que envolvem diversos projetos privados, é crucial para racionalizar e otimizar seu uso. Além disso, essa adaptação é importante para evitar duplicidades de esforços e instalações, com o IAE e a UCA oferecendo serviços e cedendo suas instalações a outras empresas nacionais que, ao contrário da Mac Jee, não têm interesse ou condições de realizar tais investimentos.
(IV) “A mudança de rota não será impune, a troca pelo novo fornecedor poderá alterar o cronograma atual de desenvolvimento de todos os projetos em pelo menos dois anos.”
A troca de fornecedor é uma decisão estratégica que visa a continuidade e a sustentabilidade dos projetos no longo prazo. Enquanto qualquer transição pode implicar ajustes temporários, não há evidências concretas de que isso resultará em um atraso de dois anos em todos os projetos. Apesar de reconhecer o prazo para o desenvolvimento do RATO como desafiador e um risco mapeado pelo projeto, Danilo Miranda (Diretor da Mac Jee) enfatiza que, ao contrário, a parceria com a Mac Jee pode trazer mais agilidade e eficiência ao processo, uma vez que a empresa possui a capacidade técnica e os recursos necessários para atender às demandas do projeto, evitando atrasos significativos, no que dela depender.
Conclusão do BS
Em síntese, as declarações alarmistas divulgadas pelo SindCT no vídeo em questão parecem refletir mais uma preocupação ideológica com a estatização da Avibras e a defesa de um modelo estatal para os institutos de pesquisa do que uma análise mais objetiva das circunstâncias e perspectivas reais do setor aeroespacial brasileiro. O discurso sugere um temor exarcerbado de que a transferência da produção do motor S50 para a Mac Jee signifique uma renúncia da Aeronáutica ao projeto do VS-50 e do VLM, quando, na verdade, apresenta-se mais uma decisão estratégica para modernizar e diversificar a base industrial nacional.
A parceria com a Mac Jee não é exatamente uma simples terceirização ou abandono de responsabilidades por parte da Aeronáutica, mas sim um passo deliberado para garantir que o Brasil continue a desenvolver tecnologias de ponta em um cenário cada vez mais competitivo e tecnologicamente avançado. A colaboração com empresas privadas, como a Mac Jee ou com os grupos da CENIC ou Akaer que estáo desenvolvendo os seus VLPPs (Veículos Lançadores de Pequeno Porte), representa uma oportunidade de integrar expertise e recursos que o setor público, por si só, pode não conseguir prover de maneira eficiente, especialmente frente às restrições orçamentárias e à necessidade de inovação ágil.
Além disso, é importante destacar que a manutenção e modernização das infraestruturas tradicionais, como a Usina Coronel Abner e o IAE, permanecem essenciais para o sucesso dos programas espaciais brasileiros. Ao invés de uma simples substituição, o que está em jogo é a integração de capacidades, onde os ativos existentes podem ser usados de forma mais racional e otimizada em parceria com a indústria nacional. Isso não apenas evita a duplicação de esforços, mas também fortalece a cadeia produtiva nacional, garantindo que o Brasil continue a avançar em projetos estratégicos, como o VLM, sem interrupções desnecessárias e sem colocar “todos os ovos em uma única cesta”.
Portanto, as preocupações levantadas pelo SindCT parecem alarmistas e mais ancoradas em uma visão conservadora e protecionista, que busca preservar um status quo estatizante, do que em uma avaliação crítica das possibilidades e benefícios que a parceria com a iniciativa privada pode trazer. A verdadeira ameaça aos projetos aeroespaciais do Brasil não está na modernização e na adaptação às novas exigências de mercado, mas sim na resistência à mudança e na perpetuação de um modelo que pode não atender às demandas contemporâneas de inovação e competitividade global.
Share this content:
Descubra mais sobre Revista Foguetes Brasileiros
Subscribe to get the latest posts sent to your email.
1 comentário