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Acordo de Salvaguardas em Alcântara: Fatos e Falácias

“Alcântara é base militar dos EUA”, “Os EUA controlam Alcântara” será mesmo? veja essa analise completa do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas

Após anos de falácias e discursos mentirosos sobre o Centro de Lançamentos de Alcântara, vamos pontuar artigo por artigo, ponto a ponto do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas e dizer o que é fato e o que é falácia sobre esse acordo, principalmente, falaremos se Alcântara é uma base militar americana em território nacional.

Nessa reportagem iremos mostrar um resumo de cada parágrafo ou artigo e em seguida explicar o que cada ponto desses significa.

Nos dois primeiros artigo desse tratado temos as definições, o que cada termo significa. Vamos pular isso

Principais pontos do Artigo 3, sobre as disposições gerais:

  • O Brasil se compromete a não deixar que nenhum veículo lançador ou carga útil de países inimigos dos EUA ou considerados terroristas pelos EUA serem lançados do Centro Espacial de Alcântara
    • Nesse primeiro ponto já temos uma acusação verdadeira, alguns falavam que o Brasil não poderia lançar foguetes Chineses ou Russos de Alcântara, e isso é fato verdade, nações que os EUA não consideram aliadas não podem lançar de Alcântara
  • O Brasil não pode receber tecnologia, dinheiro, mão de obra ou equipamentos no especificamente no CLA que seja oriundas de países que não são membros do Regime de Controle de Mísseis, MTCR
    • MTCR é um tratado que a China não faz parte, outro impedimento nessa parceria Brasil e China
  • O Brasil não pode se apropriar de tecnologia ou equipamentos espaciais de qualquer nação que esteja lançando de Alcântara exceto se autorizado pelo país dono do Veículo ou espaçonave
    • Basicamente um ponto que previne espionagem industrial, principalmente contra tecnologia dos EUA
  • Qualquer nação que for lançar de Alcântara deverá ter um acordo igual a esse
    • Esse ponto é para evitar que outro país não use da base de alcântara como forma de realizar espionagem industrial
  • Os lucros dos lançamentos realizados no Centro de Lançamentos de Alcântara podem ser usados em qualquer parte do Programa Espacial Brasileiro, exceto no desenvolvimento de Veículos lançadores acima de 500kg de capacidade conforme a Categoria 1 do Regime de Controle de Mísseis
    • Um dos pontos mais polêmicos de todo o Tratado, mas facilmente contornável, pois o orçamento que já seria dotado no resto do programa espacial pode ser enviado pro projeto de foguetes enquanto os lucros da base vão para o resto do programa espacial, coisa que já foi explicada pela própria FAB
  • O Brasil deve chamar um supervisor para monitorar o intercâmbio de dados técnicos em operações de lançamentos com partes estrangeiras
    • Um ponto simples, novamente uma proteção anti espionagem
  • Os EUA e o Brasil se comprometem a facilitar a burocracia necessária para realizar operações de lançamento no Brasil e nos EUA de forma recíproca e ambos podem se recusar a autorizar a exportação e importação necessárias para essa operação se as leis e políticas internas de cada país encontrar algum empecilho legal para essa operação
    • Um ponto bastante autoexplicativo, ambos os países podem se recusar a movimentar tecnologia sensível se algo impedir por questões de legislação, soberania ou interesse nacional

Artigo 4, mais específico sobre os Veículos Lançadores dos EUA, Espaçonaves e Cargas Úteis dos EUA

  • Este Acordo especifica os procedimentos de salvaguardas tecnológicas a serem seguidos para Atividades de Lançamento, incluindo os procedimentos de controle de acesso a Veículos de Lançamento dos Estados Unidos da América, Espaçonaves dos Estados Unidos da América, Equipamentos Afins, Dados Técnicos e às áreas onde estejam tais itens no Centro Espacial de Alcântara.
    • Esse ponto basicamente fala sobre o que é esse tratado e sobre o que ele está acordando, de forma resumida como o próprio artigo diz: “controle de acesso a Veículos de Lançamento dos Estados Unidos da América, Espaçonaves dos Estados Unidos da América, Equipamentos Afins, Dados Técnicos”, ou seja, esse tratado NÃO fala nada sobre veículos lançadores brasileiros ou de países que não tem tecnologia dos EUA, desde que esses países não sejam inimigos dos EUA e tenham um tratado de salvaguardas com o Brasil
  • Governo da República Federativa do Brasil deverá tomar todas as medidas necessárias para impedir o acesso desacompanhado ou não monitorado, inclusive por quaisquer meios técnicos, de pessoas não autorizadas a tecnologia dos EUA
    • Basicamente esse ponto diz que o Brasil não pode deixar ninguém sozinho vigiando tecnologia sensível
  • Os responsáveis por essas tecnologias sensíveis devem ter áreas restritas e áreas controladas para que possam trabalhar em seus veículos
    • De longe o ponto mais polémico e mal interpretado de todos, esse ponto se trata dos prédios de montagem de veículos e áreas de integração, todos os centros de lançamento do mundo possuem áreas desse tipo justamente por segurança, essas áreas delimitadas são de acesso restrito enquanto os veículos lançadores e as espaçonaves estiverem por lá, porém isso foi mal interpretado por alguns como se toda a Base tivesse sido proibida de acesso de Brasileiros, o que não é verdade, na imagem a seguir temos o prédio que se tornou áreas restrita em alcântara:
Imagem aérea de Alcântara com legendas mostrando o que é cada área

As áreas que são de acesso restrito durante os trabalhos das equipes são os Prédios de Preparação de Carga Útil (PPCU), Prédio de Preparação de Propulsores (PPP) e o Prédio de Equipamentos Especiais (PEE), somente durante as operações de montagem, tanto que temos imagens de militares brasileiros dentro do Prédio de Preparação de Propulsores após o fim da montagem do foguete Sul-Coreano HANBIT-TLV, que possui tecnologia sensível do EUA então faz parte desse tratado:

Segundo alguns argumentos falaciosos, nenhum brasileiro poderia chegar perto desse prédio que seria preso por militares dos EUA, o que obviamente é mentiroso

Seguindo com os parágrafos do artigo 4:

  • A exigência de que todos que participam de operações de lançamento em Alcântara devem estar cientes desse tratado e dos procedimentos nele especificado
  • O Governo dos EUA irão monitorar o cumprimento do acordo e poderá revogar as licenças de lançamento a qualquer momento
  • Os EUA são obrigados a justificar por que revogaram a licença
  • Se a licença for revogada toda a tecnologia utilizada para o lançamento em específico que teve sua licença revogada deverá ser devolvida imediatamente
  • Todos os artigos anteriores são recíprocos: O governo Brasileiro tem liberdade de fazer o mesmo no caso de veículos lançadores ou espaçonaves que venham a ser lançadas dos EUA, com as mesmas obrigações para com o governo dos EUA
    • Nem foi preciso explicar pois são pontos muito bem concisos e autoexplicativos

Artigo 5 fala sobre quais dados técnicos de cada veículo lançador e/ou espaçonave pode ser compartilhado com o Brasil:

  • Este Acordo não permite que Participantes dos EUA prestem qualquer assistência a Brasileiros no que se refere ao projeto, desenvolvimento, produção, operação, manutenção, modificação, aprimoramento, modernização ou reparo de Veículos de Lançamento, Espaçonaves, Equipamentos Afins de origem dos EUA, a menos que tal assistência seja autorizada pelo Governo dos Estados Unidos da América. Este Acordo não permite a divulgação de qualquer informação referente a essas tecnologias e/ou respectivos componentes por Participantes dos Estados Unidos ou por qualquer pessoa sujeita à lei norte-americana, a menos que tal divulgação seja especificamente autorizada pelo Governo dos Estados Unidos.
    • Esse é um ponto bastante longo, mas resumindo, nenhum brasileiro pode ajudar em nenhuma parte do desenvolvimento, montagem ou operação de espaçonaves dos EUA que operam em Alcântara sem autorização do Governo dos EUA
  • O cidadão brasileiro que tiver acesso a tecnologia espacial dos EUA não pode repassar a ninguém e a tecnologia não pode ser utilizada para nada além daquilo que está especificado na licença de exportação para lançamento
    • Basicamente ninguém pode desviar a tecnologia para algo que ela não está autorizada a fazer
  • O governo dos EUA vai informar por escrito o governo Brasileiro quais são os propósitos autorizados pela licença mencionada anterior para que o licenciado não omita informações
    • autoexplciativo
  • Os operadores dos EUA são obrigados a informar o Brasil caso tenha conteúdo tóxico, radioativo ou poluente nos veículos lançadores e/ou espaçonaves
    • Informação importante também, muitos veículos são movidos a propelentes altamente tóxicos como Hidrazina, ou possuem geradores de energia radioativos como os Geradores Termoelétricos de Radioisótopos (RTG)
  • Os EUA devem fornecer os parâmetros orbitais básicos e as funções gerais de Espaçonaves de origem dos EUA
    • Ponto importantíssimo, muito se falou do uso do CLA para lançamento de Mísseis Balísticos ou de Satélites de espionagem, mas o Brasil tem o direito de saber a função do veículo e a órbita dele e pode se recusar a autorizar o lançamento a qualquer momento
  • Cada Parte deverá manusear e salvaguardar quaisquer informações militares classificadas da outra Parte, obtidas em consequência de atividades executadas segundo os dispositivos deste Acordo
    • Se tiver alguma carga útil militar sendo lançada seja de origem americana em Alcântara, seja de origem brasileira nos EUA, é obrigação de ambos manter sigilo

Agora o artigo mais polêmico, que é uma explicação mais aprofundada do ponto que exploramos anteriormente, o Artigo 6 se trata dos controles de acesso, iremos pontuar de forma resumida cada detalhe desse artigo:

  • Ambas as partes deverão monitorar a implementação dos Planos de Controle de Transferência de Tecnologia. E os EUA devem informar quando decidirem não implantar as limitações de acesso a brasileiros
  • Somente pessoas autorizadas podem acessar tecnologia espacial sensível
  • O governo dos EUA pode mandar oficiais para monitorar as operações de lançamento somente no período em que as tecnologias dos EUA estiverem realizando a operação em território Brasileiro
  • O Governo Brasileiro deve informar se ocorrerá alguma operação em paralelo que possa prejudicar o monitoramento das tecnologias americanas
  • Os americanos são obrigados a informar ao Brasil quem são todas as pessoas partes dessa operação individualmente
  • Todos devem estar devidamente identificados por crachás
  • A polícia, o corpo de bombeiros e qualquer órgão de segurança publica ou salvamento podem acessar a qualquer momento as áreas restritas para cumprir os seus trabalhos, e todos devem ter um plano para evitar um vazamento de tecnologia nesses casos
  • Todas as áreas da base que não são as áreas restritas são de responsabilidade do Brasil

Artigo 7 é um passo a passo dos procedimentos necessários para o transporte e a operação de lançamento.

Nesse primeiro momento fala sobre o transporte e a alfândega

  • O Transporte de tecnologia será autorizado previamente e permanentemente monitorado por pessoas autorizadas
  • Todos os contêineres em território nacional podem ser abertos a qualquer momento por Brasileiros para inspeção de segurança desde que acompanhados por pessoas do governo dos EUA ou responsáveis pela carga devidamente autorizados
  • O governo dos EUA devem exigir dos responsáveis pela tecnologia uma declaração por escrito de tudo que está nos contêineres e proibir a presença de quaisquer objetos não relacionados a operação de lançamento
  • Todos os americanos e as tecnologias espaciais devem ser submetidos a alfândega e a imigração brasileiras
  • O governo brasileiro deve manter seus esforços para facilitar o acesso ao país dos responsáveis pela carga e os membros do governo americano ligados especificamente a operação de lançamento

Agora sobre o as Operações de Lançamento

  • Brasileiros estarão no momento de descarga dos contêineres e acompanhados de pessoas dos EUA devidamente autorizadas
  • É proibido o acesso de brasileiros enquanto as tecnologias sensíveis estejam sendo montadas, instaladas, testadas, preparadas e/ou integradas, exceto se os brasileiros estejam acompanhados, durante toda a operação, por Participantes Norte-Americanos ou autorizados pelo Governo dos Estados Unidos
  • O abastecimento e os testes das tecnologias não podem estar acompanhadas por brasileiros de forma alguma
  • Os veículos lançadores e as espaçonaves deverão estar acompanhadas de americanos o tempo todo fora das áreas restritas

E sobre os procedimentos pós lançamento:

  • Somente americanos podem realizar a desmontagem da infraestrutura após o lançamento, e se não for possível deixar em local autorizado ou retirar de território brasileiro, a infraestrutura sensível deve ser destruída

Artigo 8, agora será tratado os casos de Atraso, Adiamento e Falha, popularmente conhecido pelos fãs de exploração espacial como Hold, Scrub e Cabum, respectivamente

  • Em caso de atraso, durante toda a operação os americanos devem monitorar o tempo todo as tecnologias sensíveis, as partes deverão assegurar que Participantes Norte-americanos estejam presentes se por ventura as Espaçonaves dos Estados Unidos da América forem expostas ou removidas dos veículos lançadores por força maior
  • Em caso de cancelamento e durante todos os procedimentos possíveis até um novo lançamento, essas tecnologias deverão ter monitoramento constante de americanos, se necessário, as tecnologias devem ser levadas de volta aos EUA ou a território autorizado o mais rápido possível e com monitoramento constante
  • Em caso de falha no lançamento, ambas as nações devem trabalhar juntas na recuperação dos destroços, caso os destroços caiam em território de outra nação, deve ser cumprido o que foi definido no Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico de 1968. Um local dentro do Centro de Lançamentos de Alcântara deve ser destinado ao armazenamento de destroços que seguirá as regras de Área Restrita especificada anteriormente. As investigações sobre o acidente serão de prioridade dos EUA, e o Brasil poderá fazer parte se devidamente acordado antes, principalmente se for necessário para resguardar os interesses de saúde e de segurança públicas e a preservação do meio ambiente do Brasil. Ambos os países devem compartilhar informações necessárias para determinar as causas do acidente desde que isso não comprometa os interesses nacionais de segurança e de política externa de ambas as nações

Artigo 9 apenas diz que ambos os países podem consultar um ao outro para manter os sigilos tecnológicos, e que o canal de comunicação sempre será os meios diplomáticos e o Artigo 10 são as disposições finais como “esse acordo pode ser emendado por meio de outro acordo entre as partes” e que “os acordos foram devidamente autorizados pelos respectivos Governos”

Análise do Acordo

Existem pontos polémicos nesse acordo, como é grifado inúmeras vezes as restrições de acesso de Brasileiros a tecnologia dos EUA, porém o acordo deixa claro que a operação da base e a sua propriedade é do Governo Brasileiro, e todas as restrições de acesso são nas áreas de armazenamento de veículos lançadores e satélites no momento em que os veículos lançadores e os satélites estiverem armazenados nesses locais.

Um ponto realmente crítico do Acordo de Salvaguardas é a limitação que impede nações como os membros dos BRICS de lançarem foguetes e/ou satélites de Alcântara, porém uma coisa é relevante de se dizer, o acordo se limita a somente o Centro de Lançamentos de Alcântara, no Maranhão, o Centro de Lançamentos da Barreira do Inferno e qualquer outro centro que venha a ser construído não está coberto pelo acordo.

Notícias recentes dizem do interesse da China de lançar de Alcântara, além do longo histórico de parceria Sino-Brasileira no espaço, como o próprio programa CBERS, que nesse momento tem 2 satélites em produção pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE, e pela Academia Chinesa de Tecnologia Espacial, CAST. O Acordo de Salvaguardas é um impeditivo grande de se lançar esses satélites do Brasil, caso tivéssemos um veículo lançador de tal capacidade

Outro ponto a se destacar é a acusação que esse acordo proíbe o Brasil de desenvolver um veículo lançador, o que não apenas é uma mentira como é facilmente refutado pelo fato de que temos uma longa família de veículos lançadores suborbitais (foguetes de sondagem) e temos veículos lançadores orbitais em produção oficialmente, sendo o ML-BR com possível lançamento já em 2026 caso tudo ocorra corretamente.

Imagem gerada por computador do último estágio do foguete ML-BR (N04A) transportando um Cubesat 12U em órbita da terra

Por fim, podemos considerar que é um acordo com pontos negativos mas que seu principal foco é no combate a espionagem industrial e ao Tráfico de Mísseis definidos no acordo MTCR no qual o Brasil e os EUA são signatários, além do parte da legislação dos EUA, que é extremamente rígida na exposição de informações de motores-foguete, e um acordo de salvaguardas tecnológicas para guardar os segredos industriais dessas tecnologias só seria aprovado se as regras do ITAR estivessem nele, além disso o tratado é recíproco, os EUA são obrigados a seguir as regras de proteção de tecnologia e manter áreas restritas exclusiva para brasileiros enquanto foguetes e satélites de fabricação brasileira transitarem em todo o território dos EUA atingindo a todos os centros de lançamento dos EUA, muito mais abrangente que no Brasil que limita isso ao Centro de Lançamentos de Alcântara.

Alcântara ainda é do Brasil, e não é base militar dos EUA, em pouco tempo nem mesmo uma Base militar será, pois passará para a administração da empresa estatal ALADA

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